Josias de Souza
No passado, José Dirceu lutava pelo futuro. No presente, prepara-se para uma fase dura.
Condenado a passar uma temporada atrás das grades, inelegível até 2031, desperdiçará os próximos anos vendo o pretérito passando.
Enquanto o pior não chega, Dirceu usufrui do ruim com estilo. Aproveita o feriadão para digerir a condenação do STF numa praia de Camaçari, litoral da Bahia.
Usufrui do ocaso numa casa emprestada por Manuel Martinez, empresário do setor imobiliário.
Lula foi convidado pelo cerimonial do STF para assistir à posse de Joaquim Barbosa na presidência do tribunal. Deve-se a iniciativa ao próprio relator do mensalão, guindado à Suprema em junho de 2003 graças a uma indicação de Lula.
O patrono do PT declinou do convite. Seus assessores esclarecem que a ausência nada tem a ver com os rigores de Barbosa no julgamento dos companheiros José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares.
Lula viajou à África e à Índia. Iniciado nesta sexta (16), o périplo internacional só será encerrado em 23 de novembro, um dia depois da posse do sucessor de Carlos Ayres Britto, que troca a toga pelo pijama neste domingo.
A viagem do ex-soberano, por providencial, o poupará do auto-constrangimento. Em janeiro de 2003, no alvorecer do seu primento mandato, Lula viu-se às voltas com a oportunidade de escolher o primeiro dos oito ministros que enviaria ao STF.
Chamou seu ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Pediu-lhe que garimpasse um nome. Só fazia questão de um detalhe: tinha de ser um negro. Acabou obtendo mais do que desejava: um magistrado independente.
O tempo passou. Roberto Jefferson cunhou o vocábulo mensalão. O PT e seus aliado$ foram pendurados nas manchetes de ponta-cabeça. Relator da encrenca, Barbosa tornou-se algoz dos malfeitores.
Lula faria um bem a si mesmo e à sua biografia se fosse à cerimônia de entronização de Barbosa. Mas o arrependimento, mais do que a viagem ao estrangeiro, o impede. Tomado pelo que diz em privado, teria optado por outro nome se dispusesse, em 2003, de uma bola de cristal.
Josias de Souza
O ministro Joaquim Barbosa, do STF, indeferiu pedido de liminar formulado por governadores de seis Estados contra a fixação do reajuste do piso salarial dos professores pelo Ministério da Educação. Os autores da ação alegam que cabe aos Estados, não ao ministério, decidir sobre a matéria. Barbosa discordou.
Sancionada em 2008, a lei que criou o piso salarial dos professores (11.738) atribuiu à pasta da Educação a prerrogativa de definir o índice anual de reajuste. Sob Aloizio Mercadante, o MEC adotou como parâmetro para a definição do aumento o valor gasto por aluno no Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica).
Com base nesse critério, o reajuste de 2012 foi fixado em 22,22% –bem superior à taxa oficial de inflação de 2011, que foi de 6,08%. Vitaminados pelo aumento real, os contracheques dos professores foram de R$ 1.187 para R$ 1.451 por mês. É pouco para quem recebe. Mas os governadores alegam que lhes falta caixa. Daí o recurso ao STF.
A petição é pluripartidária. Assinaram a peça os governadores do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB); de Goiás, Marconi Perillo (PSDB); do Piauí, Wilson Martins (PSB); de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB); de Santa Catarina, Raimundo Colombo (PSD); e até o do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, filiado ao mesmo partido do ministro Mercadante, o PT.
Chama-se Ação Direta de Inconstitucionalidade a ferramenta jurídica usada pelos governadores para tentar brecar o reajuste definido por Mercadante. Em essência, alega-se que o artigo que transferiu para o MEC o poder de definir os aumentos viola a Constituição, cujo texto confere aos Estados autonomia para deliberar sobre seus orçamentos.
Os governadores incluíram na ação o pedido de liminar (decisão provisória, tomada antes do julgamento definitivo da causa) sob a alegação de que o reajuste definido pelo MEC submete a saúde financeira dos Estados a riscos imediatos. Algo que, no latinório dos advogados, é chamado de ‘periculum in mora’. No despacho em que indeferiu a liminar, Joaquim Barbosa, relator do processo, recordou que os governadores já haviam protocolado uma outra ação contra o piso dos professores.
Nessa primeira ação, questionava-se a constitucionalidade do próprio piso salarial. Ao julgá-la, o STF postou-se ao lado dos professores. Considerou que a novidade instituída há quatro anos não fere o texto da Constituição. O piso foi mantido em pé. Barbosa estranhou que os governadores não houvessem questionado no recurso anterior o pedaço da lei que autoriza o MEC a ditar os reajustes.
O ministro anotou: “Essa omissão sugere a pouca importância do questionamento ou a pouco ou nenhuma densidade dos argumentos em prol da incompatibilidade constitucional do texto impugnado, de forma a afastar o periculum in mora.” Traduzindo para o português das ruas: na opinião de Barbosa, o pedido de liminar não faz nexo. Se o perigo fosse tão evidente e iminente, os governadores teriam se mexido antes.
De resto, Barbosa recordou que a lei do piso prevê que, quando Estados e municípios não dispuserem de caixa para honrar os salários dos professores, a União é obrigada a complementar a diferença. Assim, realçou o ministro, a alegação de risco à higidez financeira dos Estados só faria sentido se ficasse comprovado que o governo federal coloca “obstáculos indevidos” ao repasse dos complementos.
“Sem a prova de hipotéticos embaraços por parte da União, a pretensão dos requerentes equivale à supressão prematura dos estágios administrativo e político previstos pelo próprio ordenamento jurídico para correção dos déficits apontados”, escreveu Barbosa.
O ministro repisou a tecla: o STF já decidiu que o piso é constitucional. E não há na Constituição nenhum artigo que autorize Estados e municípios a deixar de prever em seus orçamentos anuais o dinheiro necessário à cobertura dos gastos obrigatórios. Entre eles o salário dos professores.
Com base nesse entendimento, Barbosa concluiu: no momento, quem corre riscos são os professores, não os Estados. “Se não houver a obrigatoriedade de revisão periódica dos valores, a função do piso nacional poderia ser artificialmente comprometida pela simples omissão dos entes federados. Essa perda continuada de valor forçaria o Congresso Nacional a intervir periodicamente para reequilibrar as expectativas.”
Assim, enquanto o STF não julgar o mérito da ação, os governadores serão obrigados a pagar o piso dos professores nos valores fixados pelo MEC. Não há prazo para que Barbosa leve o julgamento da encrenca ao plenário do Supremo. Como que antevendo o malogro do questionamento, os governadores incluíram na ação uma reivindicação secundária.
Na hipótese de o STF concluir que são constitucionais os poderes atribuídos ao MEC, pedem que o tribunal ao menos adote a interpretação segundo a qual os reajustes definidos em Brasília não têm validade nacional. Valeriam apenas para as escolas federais, não para as estaduais e municipais. Uma tese dura de roer.